Assombrações

Uma leitura para pensar o envelhecimento

Dalvanira Lima, Psicanalista

14 de fevereiro de 2018

Estamos vivendo mais. Se, por um lado, o aumento da expectativa de vida é uma conquista, pois prolongar nossa existência talvez seja uma maneira de reagir à questão que desde sempre nos acompanha, a de nossa finitude; por outro lado, nos coloca um grande desafio: como lidar com o envelhecimento, vivendo bem uma fase que tende a representar parte significativa de nossas vidas.

Sobre esse tema, o livro “Assombrações” de Domenico Starnone, recentemente publicado no Brasil, nos apresenta uma boa oportunidade de reflexão.  Nele, o narrador, um homem de mais de 70 anos, tem que se deslocar de Milão para Nápoles para cuidar do neto de quatro anos de idade enquanto a filha e o marido participam de um congresso.  Acostumado à rotina solitária de uma longa viuvez, tenta, inicialmente, recusar ao pedido, mas acaba por ceder.

É numa semana de convívio com o neto na mesma casa onde passou a infância e parte da juventude e que não retornava há 20 anos, que o narrador, um ilustrador de textos literários, se embrenhará numa jornada de  auto conhecimento. Nela emergirão reflexões sobre questões presentes no envelhecimento, como limitação física, segregação social, declínio do processo criativo e até mesmo o esmaecimento da própria subjetividade, presente num trecho em que ele diz: ”Não suporto conversar com o menino me autodefinindo como o vovô. Não sou o vovô, sou eu. Não sou uma terceira pessoa, sou uma primeira”.

 

Esboço de Daniele Mallarico criado para a novela Assombrações 

No desenrolar da história, apesar da diferença de idade, vai se construindo um intenso processo de identificação do narrador em relação ao neto.  A começar pelo desamparo a que ambos se vêm confrontados. A criança por depender dos cuidados de um adulto e a dele pelas limitações que a velhice lhe impõe.

O narrador reconhece no menino traços de si e ao fazê-lo se dá conta de que há coisas nele que permanecem e outras que precisam ser ressignificadas com o passar do tempo.

O título “Assombrações” sugere um enlaçamento entre o conto de Henry James, que o narrador tinha a incumbência de ilustrar e de suas próprias revivescências em Nápoles. No conto, o personagem também retorna à sua antiga casa e encontra um fantasma, que no caso era ele mesmo.

A criação dessas ilustrações no período em que cuidou do neto o faz refletir sobre o exaurimento da imaginação e o declínio do sucesso, que como ele diz, “imaginava ser de uma substância que nada mais deterioraria”. Por outro lado,  pode reencontrar o frescor intuitivo do processo criativo de suas primeiras obras quando resolve desenhar os ambientes da casa onde havia crescido.

A trajetória do narrador de “Assombrações” se vista sob a perspectiva de continuidade do ser, leva-nos a pensar na velhice não como interrupção dessa continuidade como se houvesse um antes e um depois tão bem marcados pela expressão “No meu tempo era assim…”.

Sem dúvida, envelhecer requer a elaboração do luto por muitas perdas, mas também se abre para novas ligações sustentadas pelo desejo de cada sujeito.

 

Domenico Starnone. Assombrações. Tradução: Mauricio Santana Dias. Editora Todavia, 2018.